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Estudo prova que beber Cola Zero na gravidez causa autismo no bebé?

3 Fev 2024 - 08:30
falso

Estudo prova que beber Cola Zero na gravidez causa autismo no bebé?

Circula nas redes sociais um vídeo em que se alerta para as conclusões supostamente “chocantes” de um artigo científico: “Uma em cada três mulheres que bebeu Cola Diet (o equivalente à Cola Zero, em Portugal) durante a gravidez teve um filho com autismo”, diz um dos intervenientes do vídeo.

O segundo interveniente cita um artigo sobre o estudo, em que, alegadamente, se refere que “uma equipa de investigação diz que observou uma associação entre diagnóstico de autismo em rapazes e a mãe consumir pelo menos um refrigerante diet diariamente ou consumir o equivalente do adoçante aspartame durante a gravidez ou amamentação”.

O artigo científico é real e foi publicado na revista científica Nutrients, em agosto de 2023. Mas será que esta investigação prova que consumir Cola Zero ou outros refrigerantes diet durante a gravidez provoca autismo no bebé?

Beber Cola Zero ou refrigerantes “diet” durante a gravidez causa autismo no bebé?

A resposta à pergunta do título vem expressa no próprio artigo científico citado no vídeo: “Esta associação não prova causalidade”, escrevem os investigadores nas conclusões do estudo. 

Ou seja, a associação que foi identificada neste estudo retrospetivo (feito por entrevistas, com base na memória dos participantes) não prova que as bebidas diet que têm aspartame como adoçante causam autismo.

Os investigadores questionaram 235 mães de crianças no espetro do autismo sobre se tinham consumido bebidas diet durante a gravidez ou a amamentação, e entrevistaram também 121 mães de bebés neurotípicos (que não estão no espetro do autismo), que serviram como controlo para a análise. 

No entanto, este estudo apresenta bastantes limitações, que são, inclusive, assumidas pelos investigadores. 

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Nesta análise não foi incluída informação sobre a existência de casos de autismo entre os progenitores – que poderá ser um fator de confusão, uma vez que aumenta o risco de o bebé estar no espetro do autismo – nem sobre casos de excesso de peso/obesidade ou diabetes nas mães.

Além disso, a exposição ao aspartame “foi baseada na ingestão materna de três categorias de produtos: refrigerantes light, outras bebidas light e pacotes de adoçante”, deixando de parte “mais de 6000 alimentos, fármacos e produtos de cosmética” que podem conter também aspartame, referem ainda os investigadores.

Os investigadores apoiaram-se em estudos em animais prévios para justificar uma potencial relação causal – conclusão que não pode ser retirada de forma linear para os seres humanos. 

Tiago Proença dos Santos, neuropediatra no Hospital de Santa Maria e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, esclarece ao Viral que “o estudo tem muitos vieses e não permite tirar a conclusão” de que as bebidas light causam autismo em bebés

O mais provável “é existirem diversos tipos de autismo com causas diferentes”, afirma o especialista, acrescentando que “o aspartame não está entre [as causas de autismo] de forma consensual na comunidade científica”.

“A maioria dos fatores relacionados com o autismo são de ordem genética. Apesar de não existir um gene único que cause autismo, existem muitos genes associados ao mesmo”, prossegue o especialista. 

Por existirem fatores de ordem genética, haverá “maior risco de desenvolver a doença” se forem identificados casos de autismo na família.

Tendo por base esta relação genética, o especialista destaca uma das principais limitações deste estudo – também assumida pelos investigadores: “Não foi analisado se existiam mais casos de autismo nos pais que diziam beber refrigerantes versus os outros”, afirma Tiago Proença dos Santos. 

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Também “não foi feita a diferenciação sociocultural da amostra”, e “a forma como foi medido o consumo da aspartame tinha como base a memória” das mães – o que pode comprometer os dados.

Alexandra Matias, assistente graduada no departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São João e professora catedrática na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, também reconhece que este estudo não prova a existência de uma relação de causalidade entre o consumo de aspartame e o nascimento de bebés no espetro do autismo, mas ressalva que esta investigação apresenta “uma associação”.

“Este artigo foi o único que levantou o problema”, afirma a ginecologista, acrescentando que já houve “estudos feitos em ratinhos antes, onde se tinha mostrado que havia neurotoxicidade” nesta substância.

Acrescenta que o estudo foi restrospetivo, o que é “sempre razão de crítica”, e que os investigadores “não excluíram todos os fatores confundidores”, nomeadamente as questões de “obesidade, diabetes ou saúde mental materna e paterna”.

A ginecologista considera, porém, que estas conclusões podem ser entendidas como “um sinal de alerta” para as grávidas, abrindo portas à realização de estudos prospetivos mais completos.

“Para já temos uma associação. Ainda não há um nexo de causalidade, mas é um alerta para as futuras mães para que não consumam produtos em que haja aspartame, para não exporem o bebé a esta substância”, defende a especialista.

Tiago Proença dos Santos não tem a certeza “se estes resultados são evidência suficiente para recomendar não consumir [estes refrigerantes] na gravidez”, mas acrescenta que “não deve haver consumo excessivo de aspartame quer em grávidas, quer em não grávidas”. 

O especialista sublinha a importância de “ter uma dieta equilibrada e variada, não consumindo qualquer substância em demasia”.

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Em julho de 2023, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou os resultados da avaliação de perigo e risco do aspartame em que se afirma que existe “evidência limitada” sobre o potencial cancerígeno deste adoçante nos humanos. 

Segundo o Comité Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares, da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla inglesa), é aceitável para um ser humano consumir até 40 miligramas de aspartame por quilo de peso corporal

O aspartame está inserido no grupo 2B – “potencialmente cancerígeno para humanos” – da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC, na sigla inglesa). Nesta categoria está também o Aloe Vera.

“A IARC classificou o aspartame como possivelmente cancerígeno para humanos (grupo 2B), com base em evidências limitadas de cancro em humanos (especificamente para carcinoma hepatocelular, que é um tipo de cancro do fígado). Houve também evidências limitadas de cancro em animais experimentais e evidências limitadas relacionadas com os possíveis mecanismos que causam o cancro”, pode ler-se no relatório.

O regulador norte-americano para a alimentação e medicamentos (FDA, na sigla inglesa) “não concorda” com a classificação do aspartame como “potencialmente cancerígeno para humanos” pela IARC. Afirma que a informação científica usada pela IARC foi também analisada pela FDA, contendo “deficiências significativas”.

“O aspartame é um dos aditivos alimentares mais estudados na alimentação humana. Os cientistas da FDA não têm preocupações quanto à segurança do aspartame quando é utilizado nas condições aprovadas. O adoçante é aprovado em muitos países”, pode ler-se no documento divulgado pelo regulador norte-americano.

Na Europa, o uso de aspartame é autorizado pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla inglesa): “Na Europa, o aspartame está autorizado para o uso como aditivo alimentar para adoçar uma variedade de comidas e bebidas, tais como sumos, sobremesas, doces, produtos lácteos, pastilhas elásticas produtos com baixas-calorias e de controlo de peso e como adoçante de mesa”, pode ler-se no site oficial da EFSA.

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Este composto foi “o primeiro aditivo alimentar a ser totalmente reavaliado pela EFSA em 2013”, avança ainda o regulador. No entanto, está em curso um processo de reavaliação da segurança do sal de aspartame-acessulfame (composto por aspartame e acessulfame) tendo por base os novos estudos sobre este composto.

Em conclusão, não é verdade que o estudo prove que beber refrigerantes light com aspartame cause autismo nos bebés. O estudo citado na publicação em análise sublinha que a investigação não conclui uma relação causal. Além disso, a investigação apresenta várias limitações, nomeadamente a exclusão de informações sobre se os pais das crianças estavam, também eles, no espetro do autismo.

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3 Fev 2024 - 08:30

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